Duas visões sobre o marco legal do saneamento básico.

Duas visões sobre o marco legal do saneamento básico.





SANEAMENTO BÁSICO É DIREITO DE TODOS E POLÍTICA PÚBLICA, NÃO É MERCADORIA.
Por Tarcísio Santana*

Quando falamos que “Saneamento Básico é Direito de Todos” significa dizer que água para todos, esgoto tratado, lixo e água da chuva devidamente coletados, são condições básicas e fundamentais para a vida de todo ser humano, de toda comunidade e de toda cidade, e por isso o Saneamento Básico não pode ser uma mercadoria à venda, para o lucro de uns poucos e sofrimento de tantos outros. Entretanto, vivemos hoje em nosso país um desprezo pela vida e um apreço pelas coisas.

É nessa lógica perversa que, no final de junho deste ano, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 4162/19, criando o Novo Marco Regulatório de Saneamento Básico. A nova lei votada durante a pandemia mundial, em rito de urgência da casa legislativa, foi aprovada sob forte pressão de multinacionais interessadas no domínio do bem mais precioso hoje no mundo, a água!

O novo marco regulatório de Saneamento Básico retira dos municípios a titularidade sobre a água e o saneamento básico, obrigando-os a abrir os serviços de saneamento para licitações, entregando estes Direitos Básicos para empresas vende-los como mercadorias. Para além disto, cria um fundo público para fomentar a privatização do saneamento básico, desfaz o chamado “subsídio cruzado”, quando as grandes e mais ricas cidades financiavam parte das obras e serviços de saneamento para as cidades menores; e estabelece, ainda, metas brandas para as empresas privadas, e metas mais pesadas para os órgãos públicos de saneamento, que sem financiamento diante da crise econômica e política do país, ficarão mais expostas à privatização.
A onda de privatização do saneamento básico no Brasil segue o rumo contrário do que vem ocorrendo em todo o mundo. Por causa de péssimos serviços e cobrança de altas tarifas, países como Alemanha, França, Canadá, Índia, Estados Unidos, Argentina, Japão e Moçambique, devolveram para o controle público serviços de Saneamento Básico e outros que tinham sido privatizados. Os dados são do Centro de Estudos em Democracia e Sustentabilidade da Transnational Institute, cediada na Holanda.

No Brasil, com a privatização dos serviços de Saneamento Básico, em um dos países mais desiguais do mundo (7º país mais desigual do mundo, segundo o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) precisamos nos perguntar em quais lugares e para quais pessoas será lucrativo fornecer com qualidade água e esgoto tratado. Quem terá condições de pagar para ter acesso a estes Direitos Básicos transformados em Mercadorias? As favelas, comunidades periféricas, as zonas rurais, as cidades pequenas e distantes dos grandes centros e dos grandes reservatórios de água, como é nossa cidade de Macaúbas, serão mercado atrativo e lucrativo para estas empresas privadas? Sabemos que não. O novo marco regulatório do Saneamento vem para explorar mais ainda os pobres do nosso país, dessa vez querendo lucrar com a sede e com o esgoto a céu aberto.

Que esta nova lei sirva de alerta à todos macaubenses: Saneamento Básico é direito de todos, mas direito não se dá, direito se conquista com luta. Cobre dos nossos representantes políticos o SANEAMENTO BÁSICO COMO POLÍTICA PÚBLICA, NÃO COMO MERCADORIA.

Saneamento básico é um direito que não pode mais ser adiado.
Por Joe Kallif*

O problema tem início bem antes da chegada da Família Real Portuguesa.
Desde de então, nenhum governante conseguiu traçar um plano consistente, que estabelecesse metas factíveis para o alcance da universalização do tratamento do esgoto e do acesso à água.
Fato é que, em pleno 2020, cem milhões de brasileiros jogam seus dejetos na natureza, sem nenhum tratamento. Soma-se a esse cenário macabro a escassez de água, sobretudo no nordeste.

A recém aprovação, pelo Senado, do novo marco legal do saneamento, traz esperança para metade da população que vive à margem da civilização, em meio ao esgoto e doenças. Na esteira das consequências extremamente negativas, por conta do esgoto a céu aberto, temos centenas de milhares de casos de quadros infecciosos (muitos deles fatais) que acabam sobrecarregando e onerando o SUS, além da forte influência na baixa autoestima das pessoas atingidas. 

A falta de acesso à água provoca sofrimentos imensuráveis, sobretudo se considerarmos que políticos sem escrúpulos fazem uso da "seca" para colocar o "cabresto" de forma permanente, com objetivo único de subjulgar homens, mulheres e crianças.

Conclui-se, de forma inquestionável, que o Estado é absolutamente ineficiente no trato da solução desses dois graves problemas; falta de higiene e falta d'água.

Com o surgimento da pandemia COVID-19, a crise mundial é inevitável, sendo que o Brasil terá grandes dificuldades para suplantar seus problemas econômicos. Por outro lado, o novo marco legal do saneamento trará investimentos de R$ 500 bilhões e 700 mil empregos, até dezembro de 2033, prazo para alcançar 99% da população com água potável e 90% da população com esgoto tratado.

Esses investimentos serão possíveis devido à abertura dos servidos de saneamento básico para empresas privadas que, por sua vez, terão de ter capacidade e velocidade nas questões tratamento de esgoto e distribuição de água. Aliás, cabe aqui uma pergunta:

Tratando-se de saneamento básico, qual a tarefa mais difícil? Conseguir uma reunião com um governador ou com um diretor de uma empresa privada? A resposta parece óbvia...

Existe o receio (e risco) do "lucro" da iniciativa privada se sobrepor ao objetivo maior do novo marco, que é o atendimento das necessidades das pessoas, principalmente aquelas que residem nas áreas mais remotas do país.

Ora! Em toda estrutura, seja ela pública ou privada, há necessidade de acompanhamento por parte dos interessados. Isso quer dizer que eventuais "desvios de conduta" devem ser combatidos com participação popular! O órgão executor que fica sob a vigilância da sociedade não tem espaço para ilícitos! 

É verdade que o povo brasileiro não costuma acompanhar projetos públicos, porém, tal prática não pode mais acontecer!

Há quinhentos anos convivemos com problemas de saneamento básico. Seria muita ingenuidade (para não dizer masoquismo) continuarmos acreditando que governantes têm vontade e/ou comprometimento com as causas "erradicação do esgoto a céu aberto e distribuição de água com qualidade e quantidade".

Vale ressaltar que Macaúbas e região têm sofrimentos seculares, quando o assunto é esgoto nas ruas e escassez de água, mas a solução tem ficado nas ações lentas do Estado.

É chegada a hora de dizer não à continuidade desse desrespeito! É chegada a hora de abrirmos as portas do desenvolvimento!

Está mais que provado que o saneamento básico não avançará, enquanto ele estiver nas mãos egoístas e desinteressadas de muitos dos nossos governantes.

O Estado deve agir em áreas essenciais (por exemplo saúde, segurança e edução), mas, definitivamente, execução de obras de saneamento básico não pode fazer parte das suas atribuições, seja por ilicitudes, má vontade ou incompetência.
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* Tarcísio Sant'Ana, bacharel em Direito, licenciando em História e militante do Movimento Todos pelo Saneamento Básico de Macaúbas - Bahia.

*Joe Kallif, ambientalista, ativista, escritor e professor de Inglês. Militante do Movimento Todos Pelo Saneamento Básico de Macaúbas, desde 2010.


Comentários

  1. Ola leitor, sou um dos escritores e gostaria de saber tambem a sua opinião. Comente aqui. ;)

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